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in a nutshell called politiks

Não se ser inclusivo é uma escolha politica. Ser-se passivo é uma escolha politica. Optar-se pelo silêncio é uma escolha politica. Usar a diferença para justificar acções é uma escolha politica. Sentir-se que a pessoa ao nosso lado é um barril de pólvora prestes a detonar, e não fazer nada acerca disso é uma escolha politica.

Resumo: tudo é uma escolha politica.

Porque politica tem na sua génese a ideia de poder, de relações de poder, que gerem, orientam, guiam - e tudo são relações de poder.

Quando voto, exerço poder sobre o mais básico principio da politica. Quando protesto, quando saio à rua, quando me manifesto contra ou a favor do governo em acção, exerço esse mesmo poder. Esta é a forma mais simplista (que não tem, na realidade, nada de simplista - apenas os mais distraídos o poderão considerar) que conhecemos de politica - curiosamente, é aquela em que, de forma automática, menos consideramos que estamos efetivamente a ser parte integrante e motor dessa grande máquina que são as relações de poder - julgamos exercer um direito, e ignoramos (porque não pensamos realmente nesse ponto) que um direito, tal como um dever, advém justamente dessa relação ilusoriamente binária que são as relações de poder - vide: com poder VS sem poder; esquecendo que, tal como a luz (ou o bom senso), raras vezes se está perante a total pertença ou absoluta ausência dele.

Quando, de manhã, apresso o meu filho ao pequeno almoço, porque o relógio urge, o comboio não espera, o trânsito é absolutamente indiferente à minha correria, estou a exercer uma relação de poder: ele pode querer muito comer lentamente, pedir licença a um pé antes de o cobrir com a meia, fazer o pino antes de se enfiar dentro da camisola, mas o meu "querer" será sempre mais premente que o dele - a minha pressa é mais relevante que a preguiça dele apenas e só porque sou mãe dele, porque tenho naturalmente (e tantas vezes sem me aperceber) um ascendente natural sobre a sua vontade. No caso da pressa pela manhã, é justificável. A minha noção das consequências da permissividade perante a preguiça é maior - conheço-as, já as experienciei, e o relógio, para mim, aponta mais pressas que marasmos; e sou capaz de, no alto da minha madura adulticie, relevar o cansaço e não ceder à inércia.

E o resto? E quando estou só cansada e quero ter de pedir só uma vez para que vá tomar banho ao final do dia e ele está a meio do episódio da série preferida? Quando o tempo não urge, quando os 20 minutos extra para terminar o episódio, em nada vão afetar a nossa rotina e eu, ainda assim, porque estou cansada, porque a paciência esgota, porque o dia foi tão cheio de contrariedades que só quero chegar a este momento e não ter de pedir do que uma vez para ter o que quero? Isto é pura e terrivelmente, uma relação de poder em engrenagem. Zango-me sem motivo real (matava-me que ele fosse para o banho 20 minutos mais tarde?), mas porque posso.

E isto, é uma escolha politica. Porque posso.

O juiz que decidiu aligeirar a pena de uma agressor, aludindo a passagens da Biblia, porque o dito estaria deprimido, porque a mulher o traiu, fez uma escolha politica. Não porque tinha razão, mas porque o nosso sistema judicial o permitiu - porque podia.

O produtor que assediou, durante décadas, mulheres do meio cinematográfico, não tem um problema de compulsão, não tinha razão, fê-lo porque o sistema em que se insere, construído em torno de relações de poder, o deixou - porque podia.

O homem que matou a mulher porque ela o traiu, não o fez porque é psicopata, fê-lo porque, não apenas o sistema judicial do país em que vivia foi cumplice, mas também porque o tal sistema em que se insere, contruído nas mesmas relações de poder, o deixou - porque podia.

O estudante que violou uma colega e saiu impune, não o fez porque estava desiquilibrado psicologicamente, fê-lo porque podia, e saiu impune porque era infinitamente privilegiado: era homem, era branco, era cis, era rico.

Tudo isto são actos eminentemente politicos, alicerçados e justificados por relações de poder com séculos de história e palmadinhas nas costas.

E tudo começa com a brincadeira sobre as mulheres que sobem na carreira, e o colega pateta, coitado, lhe pergunta em tom de juco com quem é que ela dormiu; com a piada que todos conhecemos e repetimos sob a célebre frase "está todo lá dentro, dentro da querida", e dizemos: estudasses!, com a ideia peregrina de que uma miúda é maria-rapaz quando adora desporto, mesmo quando também gosta de folhos e purpurinas - porque as caracteristicas ditas masculinas sobrepôr-se-ão sempre às femininas. Porque na escola do meu filho foi normal a professora dizer que os rios são grandes e fortes como os rapazes, e as ribeiras são pequenas e fracas, como as meninas.


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